Paulo Victor de Carvalho Mendonça [*]

Este ensaio é um breve resumo do assunto que vou abordar nas Jornadas Brasileiras de Direito Processual, promovida pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), em homenagem aos professores Teresa Arruda Alvim e Luiz Guilherme Marinoni e que ocorrerão entre 18 e 20 setembro, em Curitiba.

Supremo Tribunal Federal não edita mais súmulas simples desde o final de 2003, quando foi editada a Súmula 736. A explicação legislativa para isso está na emenda constitucional 45 de 2004, que introduziu no nosso ordenamento jurídico brasileiro dois mecanismos importantes de gestão processual para o tribunal: (i) a exigência de repercussão geral para o recurso extraordinário para a formação de temas e (ii) a possibilidade de edição de súmula vinculante.

Sobre as súmulas vinculantes, com a publicação da Lei 11.417 de 2006, o STF editou a sua primeira súmula vinculante no ano de 2007, resultando num total de 59 súmulas vinculantes editadas até hoje, sendo que a súmula vinculante 56 foi aprovada ainda em junho de 2016. Isto é, desde julho de 2016 o STF aprovou apenas 3 súmulas vinculantes, duas em 2020 e a última em dezembro de 2023.

A não edição de novas súmulas vinculantes tem uma explicação estratégica: na gestão do ministro Ricardo Lewandowski (2014-2016) na presidência do STF constatou-se um aumento histórico do número de reclamações em razão da combinação até então feita pela corte de criar um tema de repercussão geral somado com uma súmula vinculante.

E de fato, o número de reclamações recebidas pelo STF nos anos de 2014-2016 ultrapassou a marca recorde de 3.000 processos por ano, mas, ainda com a não edição de novas súmulas vinculantes, o número de reclamações recebidas pelo STF continuou crescente e em 2023 alcançou a marca histórica de mais de 7 mil processos recebidos em apenas um ano[1].

Assim, a edição de apenas três novas súmulas vinculantes pelo STF desde 2016, por si só, não freou objetivamente o número de reclamações recebidas pelo Supremo, pelo contrário, o tribunal saltou de uma média de 3.000 reclamações em 2016 para uma média de 7.000 reclamações no ano de 2023.

Essa conta anual crescente da classe reclamação desde 2014, sob o ponto de vista da gestão processual da corte, pode e deve continuar inibindo a edição regular de novas súmulas vinculantes e manter o seu desuso estratégico pela corte, até porque não consta na página do tribunal Proposta de Súmula Vinculante (PSV).

Quanto a súmula simples no STF, a sua não edição pelo tribunal desde 2003 encontra, sob o ponto de vista da gestão processual, relação direta com a nascimento constitucional da exigência de repercussão geral para o recurso extraordinário, que resultou na edição da Lei 11.418 de 2006, que regulamentou o § 3º do art. 102 da Constituição Federal.

A página Corte Aberta do STF registra atualmente 1.309 temas que foram objeto de admissibilidade, sendo 860 com repercussão reconhecida e 431 com repercussão negada, ou seja, desde a lei de 2006 o tribunal já analisou mais de 1300 temas.

Mas qual é a análise estatística do avanço estratégico da repercussão geral no STF?

A análise estatística é a de que o acervo do STF no ano de 2006 era de 150 mil processos aproximadamente e, após 20 anos da emenda constitucional 45 de 2004 (1º pacto para um judiciário mais rápido e republicano), o tribunal conseguiu reduzir o seu acervo para a menor marca histórica dos últimos 30 anos, alcançando aproximadamente 23 mil processos de acervo no ano de 2023.

Mas como a repercussão geral impactou processualmente no gerenciamento do acervo do STF ?

A repercussão geral, após reconhecida ou negada e, principalmente, após julgada, impede processualmente a remessa para o STF de novos recursos identificados pelos Tribunais de origem com a mesma questão de direito, ou seja, uma vez julgados os recursos representativos de controvérsia e fixada a questão, a aplicação dos temas cabe tão-somente aos Tribunais de origem, e não mais, na última fase recursal, ao STF, diferentemente do que ocorre com a sistemática da súmula.

Houve, portanto, uma trava no fluxo processual dos recursos extraordinários (e principalmente dos agravos) para o STF, pois há uma espécie de bloqueio legal no art. 1.030, I, a, do CPC, que autoriza o tribunal de origem a negar seguimento ao recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime de repercussão geral.

O Relatório de Atividades de 2023 do STF expressa-se no sentido de que a sistemática da repercussão geral contribuiu eficientemente para a diminuição do acervo processual recursal do tribunal:

De 2019 a 2022, o recebimento de processos recursais no STF teve redução de 31%. A diminuição do quantitativo de recursos extraordinários e dos respectivos agravos que aporta ao Supremo Tribunal Federal é um dos principais indicativos da eficiência da sistemática da repercussão geral. Conforme dados históricos, o STF chegou, em 2006, ao número de mais de 122 mil recursos. A partir de 2007, ano da entrada em vigor da Lei nº 11.418/2006 e da regulamentação interna da repercussão geral, os números efetivamente foram reduzidos, aproximando-se da estabilização entre os anos de 2008 e 2018.

Por outro lado, os Tribunais de origem não têm uma sistemática legal de gerenciamento semelhante para a súmula simples, pois, embora devidamente aplicadas pelos juízos competentes, o recurso extraordinário, ainda que inadmitido por decisão do órgão responsável do tribunal, pode e deve ser remetido para o STF caso haja a interposição do agravo previsto no art. 1.042 do CPC, de modo a formar a classe que mais congestiona o tribunal atualmente, que é o agravo em recurso especial (ARE), responsável por mais da metade dos processos distribuídos na corte em 2023.

Por isso, pode-se afirmar, sob o ponto de vista da gestão processual estratégica, que a edição de súmula pelo STF é uma prática do passado, pois há mais de vinte anos que o tribunal não edita uma súmula simples, considerando a ineficácia dos seus efeitos processuais para o gerenciamento do acervo do tribunal.

E o mesmo problema de congestionamento processual acontece no STJ: a classe que mais congestiona o tribunal é a do agravo em recurso especial. Segundo o Relatório Estatístico da corte para 2023, dos 461 mil processos recebidos no ano, 55,60% correspondem à classe agravo, com um total de 251 mil processos[2].

Embora o STJ tenha afetado à sistemática dos recursos repetitivos mais de 1270 temas desde 2008, data da Lei 11.672, que criou o recurso especial repetitivo, tem-se que a entrada de processos na corte é praticamente crescente desde 2009, com 292 mil processos distribuídos, 2019 com 407 mil processos distribuídos e 2023, com 461 mil processos.

Assim, diferentemente do que ocorreu com o STF, que conseguiu reduzir o seu acervo processual de 150 mil processos para 23 mil aproximadamente (de 2006 para 2023), com o uso sistemático da repercussão geral, o STJ, por sua vez, teve um crescente aumento do seu acervo de 2009 para 2023 (de 212 mil processos para 330 mil aproximadamente), ainda que afetando mais de 1.270 temas à sistemática dos recursos especiais repetitivos, que igualmente possui a trava recursal prevista no art. 1.030 do CPC.

Mas o STJ continuou editando súmulas desde a criação dos recurso especial repetitivo em 2008 ?

Aqui mais um ponto de diferença em relação ao trabalho do STF ao longo desses anos de gestão estratégica da repercussão geral: o STJ continuou a editar súmulas mesmo após a aprovação da lei dos recursos repetitivos para o tribunal em 2008.

Hoje o STJ tem 671 súmulas, com a última publicada em junho de 2024, sendo que após a lei dos recursos repetitivos o tribunal editou mais 314 Súmulas. Isto é, quase metade das súmulas do tribunal foram criadas após a lei dos recursos repetitivos de 2008, diferentemente do STF, que desde 2003 não edita mais súmulas simples.

Essa análise comparativa indica, portanto, que a súmula simples, como método de gestão processual, seguiu caminhos diferentes com resultados diferentes nos dois tribunais, com o seu comprovado desuso pelo STF, com a consequente redução histórica do seu acervo recursal, e o seu uso ainda regular pelo STJ, com o consequente aumento do seu acervo processual.

[1]Todos os dados são obtidos na própria página do STF – Corte Aberta. Acessado em junho de 2024.

[2]Todos os dados estatísticos de 2023 estão disponíveis na página do STJ por meio do Relatório Estatístico. Acessado em junho de 2024.

*Paulo Victor de Carvalho Mendonça. Advogado e professor do IDP em Brasília. Mestre em Direito pela UnB. Ex-assessor e instrutor no STJ. Membro da Associação Brasiliense de Processo Civil (ABPC).

**Publicado originalmente em JOTA, 21/07/2024.