Mércia de Souza Barreto*

A igualdade de gênero, princípio fundamental da Constituição Brasileira, tem sido objeto de crescente atenção e debate na sociedade contemporânea. No âmbito da Administração Pública, a busca por uma representação mais justa e igualitária entre homens e mulheres, especialmente em cargos de liderança, apresenta desafios específicos que demandam análise e intervenção. Este artigo, utilizando dados da "Pesquisa Nacional da Defensoria Pública 2023", realizada pelo Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege) e outras instituições, analisa a disparidade de gênero na Defensoria Pública da União (DPU) e na Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF).

A Defensoria Pública, instituição essencial para a garantia do acesso à justiça e para a promoção da cidadania, deve refletir a diversidade da sociedade brasileira em sua composição e

atuação. A presença de mulheres em cargos de liderança e decisão não é apenas uma questão de justiça social, mas também um fator crucial para a construção de uma instituição mais democrática, representativa e eficiente.

Representatividade Feminina: Uma análise comparativa entre a DPU e a DPDF

A "Pesquisa Nacional da Defensoria Pública 2023” oferece um panorama abrangente da Defensoria Pública no Brasil, abordando desde aspectos administrativos até a composição de seu quadro de membros. Os dados da pesquisa revelam um cenário nacional aparentemente positivo em relação à paridade de gênero: há 3.617 defensoras públicas e 3.583 defensores públicos em todo o território nacional, o que demonstra um equilíbrio numérico entre homens e mulheres na carreira.

Essa igualdade numérica, atribuída principalmente ao processo seletivo meritocrático por meio de concursos públicos, mecanismo que prioriza o conhecimento e as habilidades dos candidatos de forma objetiva, poderia levar à conclusão de que a questão da equidade de gênero na Defensoria Pública está resolvida.

No entanto, a análise individualizada da DPU e da DPDF, utilizando os dados da pesquisa como base, desmascara essa percepção inicial. A DPU, apesar de utilizar o concurso público como forma de ingresso na carreira, apresenta uma significativa predominância masculina em seu quadro funcional: 60% dos defensores públicos da União são homens. Essa disparidade, que contraria a realidade demográfica brasileira, evidencia que fatores além do processo seletivo inicial influenciam a progressão na carreira e a ocupação de cargos de liderança dentro da instituição.

Em contrapartida, a DPDF apresenta um quadro funcional mais equilibrado em termos de gênero: dos 258 defensores públicos que atuam no órgão, 121 são mulheres e 137 são homens. Essa diferença em relação à DPU demonstra que a igualdade numérica no ingresso na carreira, embora fundamental, não garante automaticamente a igualdade de oportunidades e a representatividade feminina em cargos de liderança.

DPU: Avanços e desafios na implementação de políticas de equidade de gênero

A DPU, ciente da disparidade de gênero existente em seu quadro funcional, implementou diversas normas e iniciativas para promover a equidade de gênero, especialmente em cargos de liderança e decisão. A Portaria n. 404/2023, por exemplo, alterou a Portaria n. 200/2018 e garantiu a paridade de gênero na composição dos Grupos de Trabalho (GTs) da instituição.

Os GTs, responsáveis por proteger grupos vulneráveis e garantir direitos fundamentais, são espaços importantes de atuação e tomada de decisão dentro da DPU. A paridade de gênero em sua composição, além de garantir a representatividade feminina, contribui para a diversidade de perspectivas e para a construção de soluções mais justas e eficazes.

Outra iniciativa importante foi a Resolução n. 215/2023 do Conselho Superior da DPU, que implementou a paridade de gênero na composição do próprio Conselho. A Resolução, originada a partir de uma proposta apresentada pelo Defensor Público Federal Dr. Antonio de Maia e Pádua em 2021, prevê também a alternância de gênero na Ouvidoria Externa e na Defensoria Nacional de Direitos Humanos, além da composição paritária em bancas examinadoras, grupos de trabalho, coordenações e assessorias.

A Resolução n. 215/2023 representa um avanço significativo na promoção da igualdade de gênero na DPU, demonstrando o compromisso da instituição em garantir a representatividade feminina em espaços de poder e tomada de decisão.

Além das medidas internas, a DPU aderiu à Rede Equidade, iniciativa criada a partir do Acordo de Cooperação Técnica n. 235/2021, que reúne diversos órgãos da Administração Pública com o objetivo de promover a inclusão e a diversidade na gestão pública. A Rede Equidade, por meio do seu Plano de Ação 2022/2024, busca implementar o Modelo de Inclusão da Diversidade e Equidade (IDE), um instrumento de orientação para a criação de uma cultura organizacional mais inclusiva nos órgãos públicos.

As iniciativas da DPU para promover a equidade de gênero, embora louváveis, ainda não foram suficientes para reverter a disparidade existente em seu quadro funcional. É fundamental que a DPU monitore e avalie continuamente a efetividade de suas políticas de equidade de gênero, realizando os ajustes necessários para garantir que os objetivos de igualdade sejam alcançados.

DPDF: Urgência na implementação de políticas públicas para a equidade de gênero

A DPDF, apesar de apresentar um quadro funcional mais equilibrado em termos de gênero do que a DPU, carece de regulamentações internas específicas para promover a equidade de gênero na carreira. 

A análise dos cargos de representação da DPDF em colegiados do Governo do Distrito Federal evidencia a disparidade de gênero existente: das 118 indicações para essas posições, apenas 44 são ocupadas por mulheres, a maioria está relacionada a temas específicos da área feminina, como direitos da mulher, combate à violência doméstica e direitos sexuais e reprodutivos.

Essa realidade demonstra que, embora a DPDF tenha implementado medidas pontuais para promover a igualdade de gênero, como a resolução que garante o trabalho remoto para defensoras e servidoras durante o período de amamentação, ainda há um longo caminho a ser percorrido para que a igualdade de oportunidades se torne uma realidade na instituição.

A DPDF tem a oportunidade de aprender com as iniciativas da DPU e implementar medidas mais eficazes para promover a equidade de gênero em todas as esferas da instituição. A criação de mecanismos transparentes e objetivos para a nomeação de cargos de liderança, a promoção de um ambiente de trabalho inclusivo e o desenvolvimento de programas de capacitação e desenvolvimento profissional para mulheres são exemplos de políticas públicas que podem contribuir para a construção de uma instituição mais justa e igualitária.

Conclusão

A análise comparativa da DPU e da DPDF, realizada a partir dos dados da "Pesquisa Nacional da Defensoria Pública 2023", revela a importância da implementação de políticas públicas eficazes para a promoção da equidade de gênero na Administração Pública de modo amplo.

A persistente disparidade de gênero ainda presente, especialmente no quadro funcional da DPU, evidencia a necessidade de um esforço contínuo de monitoramento, avaliação e aprimoramento das políticas implementadas. A DPDF, por sua vez, precisa avançar na criação e implementação de normas e iniciativas que promovam a igualdade de oportunidades para as mulheres em todos os níveis hierárquicos. As iniciativas da DPU, como a Portaria n. 404/2023 e a Resolução n. 215/2023, demonstram o compromisso da instituição em garantir a representatividade feminina em cargos de liderança e tomada de decisão. 

A busca por uma Defensoria Pública mais justa e representativa, que reflita a diversidade da sociedade brasileira, exige compromisso e a implementação de políticas públicas eficazes como caminho para garantir que a igualdade de gênero deixe de ser um ideal distante e se torne uma realidade. Afinal, como afirmou a Ministra Cármen Lúcia, em entrevista à CNN Brasil, "Sempre que uma mulher avança, todas avançam com ela" (CNN BRASIL, 2024).

REFERÊNCIAS

BRASIL. Congresso Nacional. Rede de Equidade: quem somos. Disponível em: https://www.congressonacional.leg.br/institucional/rede-equidade/quem-somos. Acesso em: 23 jul. 2024.

BRASIL. Defensoria Pública do Distrito Federal. Conselho Superior da Defensoria Pública do Distrito Federal. Resolução nº 278, de 21 de agosto de 2023. Regulamenta a condição especial de trabalho facultativo às Defensoras lactantes, após o término da licença-maternidade, no âmbito da Defensoria Pública do Distrito Federal. Brasília: Conselho Superior da Defensoria Pública do Distrito Federal, 2007.

BRASIL. Defensoria Pública da União. Conselho Superior da Defensoria Pública da União. Ata da 272ª Sessão Ordinária. Boletim Eletrônico Interno da DPU: ed. 18719, Brasília, DF, 19 setembro 2023.  Disponível em: https://www.dpu.def.br/component/content/article/385-relacaomaterias-2023/76942-ata-ata-da-272-sessao-ordinaria-do-conselho-superior-da-defensoriapublica-da-uniao?Itemid=1086 Acesso em 01 ago. 2024

BRASIL. Defensoria Pública da União. Pesquisa Nacional 2023. Disponível em: https://pesquisanacionaldefensoria.com.br/. Acesso em 25 de jun. 2024.

CNN BRASIL. Sempre que uma mulher avança, todas avançam com ela, diz Cármen Lúcia à CNN sobre candidatura de Kamala. Blog Basília Rodrigues. São Paulo, 23 de julho de 2024.

 DE MAIA E PÁDUA, A. Proposta de resolução: Paridade e alternância entre homens e mulheres e participação de pessoas de gênero não binário na administração superior e outros cargos e funções de relevo da Defensoria Pública da União. Brasília: Defensoria Pública União, p. 1-7, 2021.

*Mércia de Souza Barreto, Mestranda em Direito, Regulação e Políticas Públicas pela Universidade de Brasília (UnB)