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Mestrado Profissional x Mestrado Acadêmico

Mestrado Profissional x Mestrado Acadêmico

Os juristas costumam ter dúvidas sobre a diferença entre os programas acadêmicos e profissionais em direito. Tal incerteza é plenamente justificada pelo fato de que as pós-graduações profissionais são recentes no Brasil e ainda pouco conhecidas. No Brasil, a instituição pioneira nesse tipo de programa foi a Fundação Getúlio Vargas, que criou o primeiro mestrado profissional em direito em 2013 e o primeiro doutorado profissional em 2024.

Um dos equívocos típicos é a identificação dos mestrados profissionais com os cursos de pós-graduação lato sensu, como especializações e MBAs. Vários juristas não têm segurança em classificar os mestrados profissionais como cursos de pós-graduação stricto sensu, que oferecem um título equivalente ao do mestrado acadêmico, inclusive permitindo o ingresso nos doutorados. A própria existência de um doutorado profissional pode ser percebida com estranhamento.

Uma primeira linha de demarcação entre os programas acadêmicos e profissionais costuma ser traçada a partir dos seus objetivos: os mestrados acadêmicos teriam por finalidade formar pesquisadores, enquanto os mestrados profissionais se voltariam a promover a formação de técnicos especializados. Porém, essa diferenciação parece inadequada aos programas de pós-graduação em direito porque a educação jurídica sempre teve por vocação promover competências relacionadas à prática de atividades profissionais.

O caráter aplicado do conhecimento jurídico faz com que os mestrados tenham sido cursos recorrentemente buscados por bacharéis que procuram um aperfeiçoamento profissional. Os mestrados em direito tradicionalmente adotam abordagens que têm uma dimensão profissional, vez que são espaços nos quais os estudantes realizam estudos especializados, desenvolvendo conhecimentos e habilidades mobilizados pela prática jurídica. Diferente do que acontece nos cursos de viés mais científico, a pesquisa em direito não envolve tipicamente uma investigação empírica da realidade, mas o desenvolvimento de discursos dogmáticos, que buscam defender a adoção de certas interpretações normativas.

Essa situação faz parecer redundante a qualificação de uma pós-graduação jurídica como “profissional”. De fato, o que pareceria estranho a nossa cultura jurídica seria a formulação de um programa puramente acadêmico, sem interfaces diretas com as práticas profissionais em direito. Dado o caráter tipicamente aplicado do conhecimento jurídico e dos cursos de pós-graduação em direito, parece que a distinção entre os mestrados profissionais e acadêmicos se torna indefinida.

Outro fator que contribui para esta indefinição é a própria estrutura dos cursos de pós-graduação no Brasil. Em outros modelos acadêmicos, como o europeu, faz mais sentido uma diferenciação clara entre mestrados profissionais e acadêmicos. No sistema vigente na comunidade europeia, a educação jurídica se dá pela combinação de 3 anos de licença/bacharelado e 2 anos de mestrado. Assim, a formação denominada “mestrado” no sistema europeu corresponde aos últimos anos de uma graduação em direito no Brasil (4º e 5º ano de formação).

O modelo europeu permitiu a diferenciação entre um mestrado acadêmico voltado a preparar estudantes para o ingresso no 3º ciclo da educação superior (o “doutorado”), e um mestrado profissional direcionado a servir como porta de entrada dos estudantes para o exercício de uma atividade técnica especializada. Uma das principais características de tais programas é o foco na realização de estágios, que preparem estudantes que nunca trabalharam para ingressar no mercado de trabalho, mas não os habilitam a ingressar em um programa de doutorado.

A distinção europeia entre mestrados profissionais e acadêmicos não tem lugar em nossa educação jurídica, visto que os estágios em direito no Brasil são iniciados tipicamente mais cedo e realizados ao longo de boa parte dos cursos de graduação, especialmente em sua etapa final. Em nosso sistema educacional, os mestrados profissionais não têm vocação de servir como porta de entrada para o mercado de trabalho. Não se trata de um curso profissionalizante, na medida que os alunos que nele ingressam já são habilitados para o exercício das profissões jurídicas. No Brasil, a profissionalização ocorre no bacharelado, que exige dos estudantes uma longa dedicação a aprender a produzir petições, pareceres e sentenças, utilizando-se da linguagem técnica do campo e das fontes de argumentos que o campo jurídico considera como válidas.

No caso dos mestrados profissionais, o público alvo não é constituído por pessoas em busca de uma profissão, mas por profissionais já inseridos no mercado de trabalho. A oportunidade que esses cursos abrem é a de aprimorar suas competências por meio da realização de pesquisas que produzam conhecimento aplicado, apto a orientar uma prática jurídica baseada em evidências.

Profissionais interessados apenas em realizar estudos especializados, sem a produção de novos conhecimentos, são vocacionados a seguir cursos de pós-graduação lato sensu, cuja função é a de promover o ensino de conhecimentos especializados. Diversamente das especializações, os mestrados e doutorados são cursos de pós-graduação stricto sensu, cujo principal foco é capacitar os estudantes a produzir novos conhecimentos.

Seja na modalidade acadêmica ou profissional, a marca distintiva da pós-graduação stricto sensu é a produção de conhecimentos, a partir do exercício da pesquisa. Portanto, os mestrados profissionais brasileiros precisam formar estudantes capazes de integrar competências técnicas especializadas com habilidades de pesquisa, contribuindo para a formação de profissionais capazes desenvolver abordagens que articulem a produção de conhecimento com o exercício profissional.

A diferença entre essas modalidades está no fato de que os mestrados e doutorados acadêmicos objetivam preparar juristas vocacionados para atuar profissionalmente na academia, como docentes e/ou pesquisadores. Isso faz com que a formação tradicional dos mestrandos e doutorandos envolva disciplinas de metodologia de ensino, monitorias e atividades de prática docente, que não fazem parte do repertório dos cursos profissionais.

Essa ausência de formação pedagógica não implica uma formação metodológica simplificada dos estudantes dos mestrados profissionais. Toda pós-graduação stricto sensu é fundada na pesquisa, na produção de conhecimentos capazes de gerar inovação. Mestrandos de ambas as modalidades recebem a mesma titulação: eles se tornam mestres em direito, aptos a realizar atividades de pesquisa e habilitados para o ingresso em cursos de doutorado (tanto acadêmicos como profissionais).

O que importa aos programas profissionais é capacitar os estudantes para aplicar as teorias disponíveis a casos concretos, produzindo descrições, análises ou propostas de intervenção. Não se trata apenas de estudar a literatura existentes e depois oferecer propostas baseadas na experiência ou na intuição dos estudantes. Os cursos de pós-graduação valorizam propostas de intervenção e análises de casos ou de políticas públicas, mas elas precisam sempre estar calcadas na observação direta de fatos e documentos.

O caráter profissional de uma pós-graduação stricto sensu não se concretiza pela realização de estudos voltados a conhecer o estado da arte de um certo campo de conhecimento. Estudos são necessários para abrir os horizontes, fomentar os questionamentos e ampliar as categorias teóricas. É impossível fazer uma pesquisa útil sem a realização prévia de um levantamento bibliográfico exaustivo. Contudo, por mais que mestrandos e doutorandos precisem estudar exaustivamente a literatura disponível, o objetivo de seu trabalho não pode se resumir a um incremento de erudição.

Não é possível ampliar nosso conhecimento da realidade a partir da leitura de livros. A pesquisa bibliográfica somente é capaz de falar da produção existente, de suas características, de seus vieses, de suas limitações. O estudo da literatura existente não nos capacita a fazer afirmações inovadoras acerca das práticas sociais que são o objeto primordial do conhecimento jurídico. Portanto, não basta para um mestrado profissional que os estudantes realizem um estudo bibliográfico e depois apresentem as suas opiniões, no formato de um parecer. Cabe ao bacharelado e às especializações capacitar pessoas para a produção de pareceres especializados que sigam os parâmetros aceitos no campo jurídico. Uma pós-graduação stricto sensu não é um lugar e reprodução das práticas profissionais dominantes e dos discursos hegemônicos, mas de produção de novos conhecimentos e a revisão das teorias e práticas disponíveis.

Um dos desafios de toda pós-graduação em direito é estimular os estudantes a produzir trabalhos que não adotem o formato padrão do parecer: uma descrição dos fatos, seguida de uma opinião baseada em uma combinação de conhecimento e de experiência. Os pareceres jurídicos normalmente veiculam opiniões sobre a adequada interpretação de normas jurídicas e de suas consequências para um caso concreto. Um programa stricto sensu não tem vocação para produzir trabalhos de caráter “doutrinário”, voltados a esclarecer o verdadeiro sentido de uma determinada norma ou princípio. No âmbito do programa, toda pesquisa precisa estabelecer uma interface com a observação direta de práticas institucionais: processos decisórios, políticas públicas, estratégias regulatórias, etc.

O rigor metodológico de um mestrado é avesso à ideia de que o estudante pode simplesmente apresentar propostas construídas a partir de sua intuição. As intuições precisam ser analisadas, testadas, confrontadas com a realidade sobre a qual buscamos intervir. Opiniões criativas não são o fim de um trabalho científico, mas o seu começo: as investigações não são uma enunciação de convicções originais, mas uma avaliação rigorosa de sua robustez. Pesquisas feitas em uma pós-graduação stricto sensu precisam ser construídas sempre a partir de observações da realidade: documentos, decisões, práticas decisórias, políticas públicas, estratégias regulatórias, etc.

Em suma, o mestrado profissional é um curso acadêmico. Não é um curso profissionalizante, voltado a reproduzir as concepções hegemônicas, mas um espaço voltado a formar profissionais capazes de articular pesquisa e prática. Sua diferença com relação aos programas tradicionais está no fato de que os mestrados e doutorados acadêmicos são espaços cujo principal objetivo é formar pessoas que atuarão profissionalmente na própria academia, como docentes e pesquisadores.

A emergência dos programas profissionais está ligada ao reconhecimento de que, no mundo contemporâneo, a produção de conhecimento não está limitada às universidades. Todas as instituições (governos, tribunais, sociedades anônimas, etc.) precisam produzir os conhecimentos necessários para a adoção de práticas profissionais baseadas em evidências. Para isso, a capacidade de conduzir investigações criteriosas precisa expandir-se para além da própria academia.

Os mestrados e doutorados profissionais têm surgido para ocupar esse espaço, promovendo o aprimoramento de técnicos experientes, que precisam desenvolver habilidades para atuar em um contexto em que as decisões técnicas são cada vez mais complexas e, por esse motivo, exigem profissionais inovadores, capazes de ancorar suas escolhas nas evidências identificadas pelas pesquisas existentes e também de produzir investigações que supram as lacunas existentes no conhecimento disponível.

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