Tatyanne Araujo

A luta das mulheres por igualdade em diversos aspectos possui datas marcantes e o dia 24 de fevereiro é um desses dias a ser lembrado e comemorado na história brasileira, por homens e mulheres. Neste dia, no ano de 1932, as mulheres conquistaram o seu direito ao voto no Brasil.

Mas até chegar aí muitas lutas foram travadas. A Revolução Francesa e a Revolução Industrial são pontos históricos que representam uma luta social e política como um todo e principalmente para as mulheres. A exemplo da história da escritora e ativista francesa Olympe de Gouges, que no período da Revolução Francesa ousou reivindicar a participação das mulheres na política ao questionar a conhecida Declaração dos direitos do homem e do cidadão, de 1789, em que uma série de direitos eram assegurados, mas na prática não eram aplicados às mulheres em sua plenitude. A partir disso, em 1791, Gouges criou o que chamou de Declaração dos direitos das mulheres e da cidadã, com críticas às diferenças de direitos entre homens e mulheres.

Com um ambiente político absolutamente masculino, seus apontamentos não tiveram atenção e por isso decidiu por enviar um exemplar à rainha Maria Antonieta, o que motivou sua sentença de morte. Teve como fim trágico a guilhotina, de maneira a reprimir outras mulheres que tivessem a ousadia de pleitear a igualdade de direitos e participação na sociedade. 

Outra escritora de destaque foi a britânica Mary Wollstonecraft, que é 1792 tornou público uma obra criticando um escrito do famoso Jean Jacques Rousseau, este que afirmava que a capacidade intelectual das mulheres era reduzida. Mary então rebateu ao argumentar que, bastava que as mulheres recebessem a mesma educação e acesso ofertados aos homens, e assim poderiam se igualar intelectualmente.  

Na história mundial, a busca pelo direito ao voto feminino é a ideologia defendida pelos primeiros movimentos feministas. Mulheres não batalhavam apenas pelo direito ao voto, isso era um dos reflexos do conjunto de desigualdades enfrentadas. O voto, como uma das facetas da democracia,  representa um direito não do homem ou da mulher, mas do ser humano. Nesse contexto, no início do século 19, a Inglaterra foi protagonista nessa luta, sendo o país de maior destaque no movimento sufragista, que reuniu mulheres pleiteando sua participação na política e igualdade de gênero. O movimento teve como pioneira Millicent Fawcett, atuando de maneira pacífica na tentativa de diálogo com o Poder Legislativo britânico, sem sucesso.

Anos mais tarde, os movimentos ganharam desígnios mais resistentes em virtude do não reconhecimento desse direito, tendo Emmeline Pankhurst à frente de mais um movimento social que foi às ruas em protesto por seus direitos, com consequentes atos de violência, como a lamentável morte da professora Emily Davison que, como um ato de protesto, atirou-se na frente do cavalo de Jorge 5º, então rei da Inglaterra.

O movimento sufragista ganhou força em todo o mundo, sendo a Nova Zelândia, em 1893, o primeiro país a reconhecer o direito de voto às mulheres, com destaque para a ativista Kate Sheppard. Em seguida, a Finlândia, em 1906. Na Inglaterra, apesar de ter sido um dos países pioneiros nessa luta, apenas em 1918 existiu um avanço significativo, com a autorização para que mulheres acima de 30 anos pudessem votar. Em seguida, os Estados Unidos em 1920. A França também tardiamente em 1945, mesmo sediando relevantes fatos históricos nesse sentido.

No Brasil, antes do celebrado dia 24 de fevereiro de 1932, igualmente existiu uma trajetória histórica de mulheres brasileiras que exerceram papel essencial para essa conquista. Sem dúvidas, as influências dos movimentos mundo afora colaboraram para encorajar as brasileiras, como, por exemplo, a potiguar Nísia Floresta, que decidiu publicar uma tradução livre da obra de Mary Wollstonecraft, em 1832, difundindo as ideias de defesa do direito de participação das mulheres na política e na sociedade.

Outra personalidade fundamental foi a baiana Leonilda de Figueiredo Daltro, que, como professora, dedicou-se à defesa dos direitos das mulheres e ao ensino, na tentativa de conscientizar através da educação o necessário reconhecimento à igualdade. Responsável por fundar o Partido Republicano Feminino em 1910. Lançou-se como candidata à Intendência Municipal em 1919 e a deputada federal em 1933.

Bertha Lutz, em 1922, na mesma linha de Leonilda, criou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, na tentativa de convencer e pressionar o governo a legitimar a participação feminina. Pouco tempo depois, em 1927, o estado do Rio Grande do Norte inovou em seu Código Eleitoral retirando a distinção de gênero aos eleitores, permitindo, portanto, que mulheres pudessem votar. Contudo, todos os votos femininos foram anulados pela Comissão de Poderes do Senado. Ainda em 1928, no Rio Grande do Norte, Alzira Soriano tornou-se a primeira mulher a ocupar um cargo na política brasileira, ao candidatar-se a prefeita do município de Lajes e vencer. 

Alguns anos depois, no governo de Getulio Vargas, uma atenção maior fora dada à causa das mulheres. Iniciou-se um projeto de reforma do sistema eleitoral com a previsão do voto feminino, porém com restrições, em que apenas viúvas e solteiras com renda própria poderiam votar e no caso de mulheres casadas com renda própria, o voto somente seria permitido se o marido autorizasse. Todavia, essas restrições ocasionaram insatisfação, sendo mais uma vez motivo de reinvindicação, a qual fora atendida. Vargas revisou o texto e no dia 24 de fevereiro de 1932 foi publicado o novo código eleitoral, que garantia às mulheres o direito de votar e de serem votadas.  

Sem dúvidas a luta das mulheres é contínua. Embora, atualmente, sejam a maioria no eleitorado brasileiro, representando cerca de 52%, sua participação como representantes ainda tem em muito a avançar. 

Essa falta de representação igualitária em muito carrega a questão histórica. Poucas são as mulheres que encaram o desafio de estar à frente de um cargo público e é necessário que elas estejam presentes nesses espaços. Quem melhor do que mulheres para criar leis sobre mulheres? 

Visando estimular a participação feminina na política, foi promulgada pelo Congresso a Emenda Constitucional 117, que determina que os partidos políticos destinem um mínimo de 30% dos recursos públicos para campanha eleitoral às candidaturas de mulheres, com a intenção de que se proporcione igualdade de condições nas disputas eleitorais. Com o intuito de ampliar a participação feminina, o Tribunal Superior Eleitoral também lançou, em junho de 2022, campanhas de estímulo a essa participação. 

Traçando os números desse cenário político em 2023, no Senado Federal de 81 cargos para senador, apenas 11 deles estão sendo ocupados por mulheres. Na Câmara dos Deputados, de 513 cargos, somente 91 deles estão sendo ocupados por mulheres. Mesmo se tratando de um número ainda distante de uma equiparação de gênero, representa um avanço de 18,2%, com a observação da presença inédita de 2 deputadas trans. 

Dessa maneira, percebe-se que mesmo diante dos avanços já conquistados, muito ainda há em se evoluir e é preciso que homens e mulheres sigam nessa luta para garantir o acesso adequado a informação, bem como um espaço adequado à participação das mulheres que assim optarem por atuar na política. Decerto, a participação democrática feminina é de caráter essencial, tanto no ato de votar, como de ser votada. 

[1] MARQUES, Teresa Cristina de Novaes. O voto feminino no Brasil. – 2. ed. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2019. p. 14.

[2] KARAWEJCZYK, Mônica. As filhas de Eva querem votar: dos primórdios da questão à conquista do sufrágio feminino no Brasil. Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História. Porto Alegre, 2013. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/72742/000884085.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 19 de fev. de 2023. p. 40.

[3] MARQUES, Teresa Cristina de Novaes. O voto feminino no Brasil. – 2. ed. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2019. p. 18.

[4] TOSI, Marcela. Voto feminino: a história do voto das mulheres. Diposnível em: ≤https://www.politize.com.br/conquista-do-direito-ao-voto-feminino/≥. Acesso em: 21 de fev. de 2023.

[5] REZENDE, Milka de Oliveira. Movimento sufragista. Brasil Escola. Disponível em: ≤https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/movimento-sufragista.htm≥. Acesso em: 21 de fev. de 2023.

[7] MARQUES, Teresa Cristina de Novaes. O voto feminino no Brasil. – 2. ed. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2019. p. 22.

[8] TOSI, Marcela. Voto feminino: a história do voto das mulheres. Diposnível em: ≤https://www.politize.com.br/conquista-do-direito-ao-voto-feminino/≥. Acesso em: 21 de fev. de 2023.

[9] MARQUES, Teresa Cristina de Novaes. O voto feminino no Brasil. – 2. ed. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2019. p. 108.

[10] TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, 2022. Eleições 2022: mulheres são a maioria do eleitorado brasileiro. Disponível em: ≤https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Julho/eleicoes-2022-mulheres-sao-a-maioria-do-eleitorado-brasileiro≥. Acesso em: 21 de fev. de 2023.

[11] CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2022. Congresso promulga cota de 30% do Fundo Eleitoral para candidaturas femininas. Disponível em: ≤https://www.camara.leg.br/noticias/864409-congresso-promulga-cota-de-30-do-fundo-eleitoral-para-candidaturas-femininas/≥. Acesso em: 21 de fev. de 2023.

[12] TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, 2022. Eleições 2022: mulheres são a maioria do eleitorado brasileiro. Disponível em: ≤https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Julho/eleicoes-2022-mulheres-sao-a-maioria-do-eleitorado-brasileiro≥. Acesso em: 21 de fev. de 2023.

[13] SENADO FEDERAL, 2022. Bancada Feminina saúda senadoras eleitas e faz balanço positivo de 2022. Disponível em: ≤https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/12/07/bancada-feminina-sauda-senadoras-eleitas-e-faz-balanco-positivo-de-2022≥. Acesso em: 21 de fev. de 2023.

[14] CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2022. Bancada feminina aumenta 18,2% e tem duas representantes trans. Dispnível em: ≤https://www.camara.leg.br/noticias/911406-bancada-feminina-aumenta-18-e-tem-2-representantes-trans/≥. Acesso em: 21 de fev. de 2023.

Referências

CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2022. Bancada feminina aumenta 18,2% e tem duas representantes trans. Disponível em: ≤https://www.camara.leg.br/noticias/911406-bancada-feminina-aumenta-18-e-tem-2-representantes-trans/≥. Acesso em: 21 de fev. de 2023.

CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2022. Congresso promulga cota de 30% do Fundo Eleitoral para candidaturas femininas. Disponível em: ≤https://www.camara.leg.br/noticias/864409-congresso-promulga-cota-de-30-do-fundo-eleitoral-para-candidaturas-femininas/≥. Acesso em: 21 de fev. de 2023.

KARAWEJCZYK, Mônica. As filhas de Eva querem votar: dos primórdios da questão à conquista do sufrágio feminino no Brasil. Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História. Porto Alegre, 2013. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/72742/000884085.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 19 de fev. de 2023.

MARQUES, Teresa Cristina de Novaes. O voto feminino no Brasil. – 2. ed. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2019.

REZENDE, Milka de Oliveira. Movimento sufragista. Brasil Escola. Disponível em: ≤https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/movimento-sufragista.htm≥. Acesso em: 21 de fev. de 2023.

SENADO FEDERAL, 2022. Bancada Feminina saúda senadoras eleitas e faz balanço positivo de 2022. Disponível em: ≤https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/12/07/bancada-feminina-sauda-senadoras-eleitas-e-faz-balanco-positivo-de-2022≥. Acesso em: 21 de fev. de 2023.

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, 2022. Eleições 2022: mulheres são a maioria do eleitorado brasileiro. Disponível em: ≤https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Julho/eleicoes-2022-mulheres-sao-a-maioria-do-eleitorado-brasileiro≥. Acesso em: 21 de fev. de 2023.

TOSI, Marcela. Voto feminino: a história do voto das mulheres. Disponível em: ≤https://www.politize.com.br/conquista-do-direito-ao-voto-feminino/≥. Acesso em: 21 de fev. de 2023.

*Tatyanne Maria Lins de Araujo. Doutoranda pela UnB. Mestre em Direito Público pelo Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Alagoas ? UFAL, Pós-graduada em Direito Constitucional e em Direito Processual Penal pela Faculdade Damásio. Autora de artigos jurídicos. Advogada.

Artigo publicado originalmente no CONJUR, em 24 de fevereiro de 2023.