Paulo Victor de Carvalho Mendonça

A partir do I Pacto Republicano a favor de um Judiciário mais rápido e republicano, aprovado em 2004 com a Emenda Constitucional 45, foi criado de forma inédita no nosso modelo constitucional o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com competência para o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário.

O CNJ tem também a atribuição constitucional de “elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias sobre a situação do Poder Judiciário” (art. 103-B, § 4º e VII, da CF).

No 2º Encontro Nacional do Poder Judiciário, realizado em fevereiro de 2009, os tribunais brasileiros traçaram também de forma inédita dez metas que o Judiciário deveria atingir naquele ano para proporcionar maior agilidade e eficiência à tramitação dos processos no Brasil.

A 1ª meta para o Poder Judiciário no ano de 2009 era a de “desenvolver e\ou alinhar planejamento estratégico plurianual (mínimo de cinco anos) aos objetivos estratégicos do Poder Judiciário, com aprovação no Tribunal Pleno ou Órgão Especial”.

No 3º Encontro Nacional do Poder Judiciário, realizado em fevereiro de 2010, foram renovadas as dez metas prioritárias para aquele ano. A primeira meta não era mais a de elaboração de um Plano Estratégico, mas sim a de “julgar quantidade igual à de processos de conhecimento distribuídos em 2010 e parcela do estoque, com acompanhamento mensal”.  

Desde o 3º Encontro Nacional, realizado em 2010, a meta de julgar mais processos do que os distribuídos tem sido a meta prioritária, sendo que apenas no ano de 2011[1] ela foi numericamente a meta 3, sendo que de 2012 em diante ela é prioritariamente a meta 1 do CNJ para todos os segmentos do Poder Judiciário.

Assim, os tribunais e as respectivas unidades jurisdicionais de todos os seguimentos da Justiça precisam monitorar estrategicamente o número de processos novos, de modo que o número de processos julgados no ano seja maior do que o da entrada, justamente para não aumentar a taxa de congestionamento do Judiciário brasileiro, que é o seu acervo processual.

O CNJ divulga anualmente também o conhecido Relatório Justiça em Números, que se consolidou como um dos principais documentos de publicidade e transparência da Administração Pública Judiciária do Brasil, com a divulgação das estatísticas judiciárias oficiais, que abrangem informações de despesas, arrecadações de receitas, pessoal, além de um retrato completo dos processos que tramitam na justiça.

O relatório de 2024 (ano base 2023) produzido pelo CNJ está na sua 21º edição e traz números recordes, conforme sintetizado no sumário executivo:

  • Foram 35 milhões de processos novos, o maior número da série histórica de quase 20 anos, com aumento de 9,4% em relação ao ano anterior.
  • O ano de 2023 se encerrou com um acervo de 83,8 milhões de processos em tramitação (aqui incluídos os suspensos, sobrestados e em arquivamento provisório).
  • Em 2023 foram recebidos 3 milhões de casos novos a mais do que em 2022. Apesar disso, a alta da produtividade atenuou esse impacto e resultou em saldo de elevação do acervo processual de 896 mil processos.
  • Aumento na produtividade de 6,9%, segundo maior percentual da série histórica. Na Justiça do Trabalho, o incremento foi de 20,1%. Foram 35 milhões de processos baixados e 33 milhões de sentenças proferidas.

São números expressivos do Poder Judiciário, e sob o ponto de vista da exigência da meta 1 do CNJ, que é julgar mais processos do que os distribuídos, o Judiciário como um todo conseguiu em 2023 praticamente manter o número de processos em tramitação em relação a 2022, apenas com um “saldo de elevação do acervo processual de 896 mil processos”, somando o total 83,8 milhões de processos em tramitação no Brasil.

E esse resultado frente a meta 1 do CNJ se deu pela efetiva baixa de 35 milhões de processos, em contraposição aos 35 milhões de processos novos em apenas no ano, para uma população de aproximadamente 200 milhões de pessoas, com menos de 19 mil magistrados que, de acordo com o relatório de 2024, proferiram 33 milhões de sentenças em 2023.

De modo geral, esses são os números da litigiosidade brasileira no ano de 2023 apurados pelo CNJ, com a “estabilidade” do estoque de quase 84 milhões de processos em tramitação no Brasil.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por sua vez, para a concretização da sua missão constitucional, que é a de uniformizar a interpretação da legislação federal infraconstitucional, também enfrenta desafios estatísticos frente ao crescente número de processos recebidos por ano.

No ano de 1990, primeiro ano completo da nova corte, o STJ recebeu 14 mil processos e julgou 12 mil. Dez anos depois, no ano de 2000, o tribunal recebeu 150 mil processos novos, jugou 154 mil, mas acumulou um acervo de 76 mil processos[2].

No ano de 2010, data de início da meta 1 do CNJ, o STJ recebeu 228 mil novos processos, julgou 330 mil, mas acumulou um acervo de 192 mil processos. No ano de 2020, recebeu 344 mil processos, julgou 503 mil, e acumulou no ano um acervo de 257 mil processos.

Em suma, considerando a análise por décadas, de 1990 a 2020, o STJ julgou mais processos do que recebeu por ano, conforme registado pelos boletins estatísticos produzidos anualmente pela corte.

Mas, embora julgando um número maior de processos do que o recebido por ano, por que o acervo do STJ é crescente em décadas, de 76 mil processos em 2000 para 257 mil processos em 2020 ?

A verbo utilizado pelo CNJ na meta 1 é o de julgar, e não o de baixar, que ocorre quando o STJ, ou a unidade responsável, conclui a prestação jurisdicional com a certificação do trânsito em julgado do processo, sendo que para conjugar o verbo julgar previsto na meta 1 do CNJ, o tribunal considera apenas a primeira decisão (terminativa) no processo, mesmo que não haja o trânsito em julgado com a efetiva baixa.

Por isso que o STJ tem registrado na sua página um regular cumprimento da meta 1 do CNJ desde 2018, conforme registrado no painel de acompanhamento das metas nacionais. Em 2022, por exemplo, o tribunal registrou 430 mil processos distribuídos e 406 mil baixados, e mesmo assim consta um percentual de 101% de cumprimento da meta 1 do CNJ no ano (total de 100%), pois proferiu a primeira decisão em 441 mil processos.

O ano de 2023 confirmou a média crescente do acervo do STJ, pois o tribunal recebeu 461 mil processos, julgou 434 mil (primeira decisão terminativa) e baixou “apenas” 412 mil processos, concluindo o ano com 317 mil processos em tramitação no total.

É o que consta no Relatório Estatístico de 2023: “com pequena alta de baixados (6.559) e forte aumento da quantidade de recebidos (56.780), em comparação com o ano passado, o STJ encerrou 2023 com 317.968 processos em tramitação, volume 18,93% (50.612) maior do que em 2022”.

Esse número crescente e recorde de processos novos no STJ em 2023 acaba, portanto, confirmando o Relatório Justiça em Número 2024 do CNJ, que registou o ingresso recorde de 35 milhões de novos processos no Judiciário brasileiro em 2023, mas com a diferença de que o STJ não conseguiu baixar o mesmo número de novos processos, o que, consequentemente, provocou ainda mais o aumento do seu acervo processual.

[1]A Meta 01 em 2011 foi: “Criar unidade de gerenciamento de projetos nos tribunais para auxiliar a implantação da gestão estratégica. em saldo de elevação do acervo processual de 896 mil processos”.

[2]Todos os dados estatísticos citados neste artigo foram extraídos dos Boletins Estatísticos produzidos anualmente pelo STJ. Acessados em julho de 2024.

*Paulo Victor de Carvalho Mendonça. Advogado e professor do IDP em Brasília. Mestre em Direito, Regulação e Políticas Públicas (PMPD) pela UnB. Ex-assessor e instrutor no STJ. Membro da Associação Brasiliense de Processo Civil (ABPC).

**Publicado originalmente em JOTA, 11/08/2024.