A ORCID (que é pronunciado como 'orkid', como orquídea em inglês) é uma organização sem fins lucrativos instituída para oferecer um número identificador (o ORCID iD) para cada pesquisador. Esse identificador tem um formato semelhante ao número de um cartão de crédito, com 4 grupos de 4 números. O meu, por exemplo, é 0000-0001-7135-2765.

Quando você insere esse número com complemento do endereço da ORCID na internet (https://orcid.org/), seu navegador o leva para a página com as informações cadastradas pela pessoa identificada (por exemplo, https://orcid.org/0000-0001-7135-2765).

O principal objetivo da ORCID é contornar os problemas acarretados pela homonímia de autores, radicalizada no campo acadêmico pelo fato de que muitas publicações identificam seus autores apenas pelo sobrenome, seguido das iniciais do prenome. Já descrevi esses problemas no post sobre o Google Acadêmico, quando falei da minha constante necessidade de distinguir a minha produção da de um pesquisador homônimo, também professor universitário e com uma extensa produção na área da física. Além disso, uma busca que fiz agora no ORCID indicou 48 autores de nome Alexandre Costa e 22 de nome Alexandre Araújo.

Desde que a mensuração do fator de impacto das publicações se tornou um elemento fundamental para o prestígio dos pesquisadores e das revistas científicas, as empresas ligadas a essa área buscam desenvolver estratégias capazes de estabelecer claramente quais são as citações que fazem referência a uma publicação. A identidade (total ou parcial) de nomes representa um desafio para as empresas de inteligência acadêmica, que precisam identificar com precisão as redes de citações formadas pelos textos científicos.

Uma das principais ferramentas desenvolvidas por essas empresas é a identificação de cada produto por meio de um DOI (Digital Object Identifier), ou seja, de um código identificador específico para cada publicação. Todavia, nem todas as publicações acadêmicas têm um DOI (como é o caso das teses e dissertações) e, mesmo quando esse identificador é devidamente atribuído, continua sendo relevante precisar quem são os autores.

No post sobre o Google Acadêmico, explicamos como o Google transfere o ônus de gerir a homonímia para os próprios pesquisadores: cabe a cada um de nós fazer a curadoria de nossa produção na base do Google Scholar. Esse tipo de abordagem se justifica pelo fato de que a Alphabet (empresa dona do Google )não vende o serviço de calcular o fator de impacto dos textos nem o ranking dos pesquisadores, editoras e instituições. Como esse não é um serviço pago, o Google pode oferecer um índice h depende de uma cuidadosa análise feita pelos próprios autores.

Já a base de dados Web of Science, criada pela Thomsom Reuters e vendida posteriormente para a Clarivate, trata-se de um serviço extremamente caro, disponibilizado às instituições que se dispõem a pagar um alto preço para ter acesso a essa rede e aos serviços a ela agregados. Quão caro? É difícil dimensionar, pois a Clarivate não disponibiliza uma política de preços em sua página. Porém, no seu anúncio de que estava abandonando a assinatura da Web of Science, a Utah State University comunicou que, embora o valor do contrato fosse confidencial, ela podia dizer que o custo anual do serviço era suficiente para comprar uma casa muito confortável na cidade de Logan.

Já a Texas A&M University, em uma análise na qual decidiu migrar da Web of Science para a concorrente rede Scopus, indicou que, em 2019, a Clarivate cobrava a bagatela de U$ 212.000 (enquanto a Elsevier, dona da Scopus, cobrava U$ 140.000 por um serviço semelhante). No Brasil, a CAPES tem um contrato com a Clarivate, pelo qual paga a astronômica soma de US$ 18.550.000, para dar acesso a 328 organizações no Brasil, especialmente instituições de ensino superior. Uma empresa que recebe quase R$ 100 milhões de reais precisa oferecer serviços altamente precisos, que justifiquem a sua colocação no mercado.

Um dos serviços mais relevantes oferecidos por essas empresas é justamente o cálculo do fator de impacto das publicações, realizado a partir da mensuração de quantas referências são feitas a cada artigo, dentro da própria rede. A ausência de um sistema de identificação eficiente colocava em risco a principal métrica fornecida pela sua Web of Science (WoS): o fator de impacto, baseado no número de citações que um trabalho recebe pelas revistas que compõem a própria WoS.

Em 2008, a Thomsom Reuters desenvolveu uma ferramenta para gerar números únicos para os autores contidos em sua Web of Science: o ResearchID. Em 2018, a gestão da WoS foi transferida para empresa independente, chamada Clarivate, que não é uma editora, mas uma sociedade focada fornecer serviços em análise de dados, inclusive a mensuração do impacto acadêmico das pesquisas.

A WoS continua ativa e você pode registrar nela um perfil (o ResearcherID), que é uma das principais ferramentas globais de identificação e gerenciamento das citações acadêmicas. Esse registro é gratuito, bem como a contagem das citações na WoS. Porém, serviços mais complexos (como acompanhamento da sua posição relativamente a outros autores e a análise da rede de co-autores) são vendidos como serviços premium.

A desvantagem da Web of Science (e do Research ID vinculado a ela) é que se trata de uma ferramenta produzida e controlada por uma sociedade com fins lucrativos, cujo modelo de negócios é fundado justamente na produção e análise de dados acerca da pesquisa científica. Como o acesso à WoS é um serviço bastante dispendioso, não era de se esperar que as demais empresas do mercado adotassem o padrão estabelecido pela Thomsom Reuters, visto que nenhum desses atores de mercado estaria disposto a reforçar a centralidade da WoS. Em especial, pesa contra a universalização do ResearchID o fato de que muitos autores se negariam a disponibilizar seus dados para uma empresa que os utilizaria para incrementar seus lucros.

Dave Kochalko, um dos fundadores da ORCID, explica que havia uma relutância das grandes editoras em utilizar um sistema que era propriedade de uma empresa privada (ORCID, 2022), o que as levou a promover uma iniciativa conjunta, voltada a oferecer uma identificação única, que não fosse vinculada a uma empresa específica e que pudesse ser integrada a outros sistemas. Esse processo conduziu à instituição da ORCID, em 2012, na forma de uma organização sem fins lucrativos, voltada a estabelecer um padrão de identificação que fosse universal, gratuito e interoperável.

Desde então, o identificador ORCID iD (chamado tipicamente apenas de ORCID) firmou-se como a forma padrão de os pesquisadores se identificarem e criarem um perfil que consolida todos os dados de sua produção acadêmica. Por esse motivo, esse identificador tem sido integrado a cada vez mais sistemas, como o Lattes e o Sucupira, motivo pelo qual é atualmente esperado que todos os acadêmicos se cadastrem na plataforma ORCID e, com isso, obtenham o seu ORCID iD.

Referências

ORCID’s First Decade: From Startup to Sustainability
ORCID’s First Decade: From Startup to Sustainability, aims to tell the story from the point of view of those involved. We hope you enjoy reading about our history!