Roberta Simões Nascimento

Hoje parece existir um amplo consenso no sentido de que é importante não só o que as leis dizem, mas, especialmente, o que as leis conseguem, tanto em termos de mudanças desejadas no comportamento de seus destinatários, quanto de outras consequências eventuais e quais são os custos disso tudo.


Por mais que ainda não exista uma cultura bem consolidada de avaliação das normas, já não mais se aceita que, uma vez aprovada a lei, restaria terminada a função legislativa. Além de anacrônico, nada mais fora da realidade.


Na coluna passada a propósito da efetividade das leis, explicava-se que a principal finalidade da avaliação de políticas públicas é precisamente a produção de informações sobre os efeitos que a legislação produziu no mundo dos fatos. E que esses subsídios não são determinantes para a decisão subsequente a respeito do que deve ser feito, na medida em que os resultados da avaliação precisam ser submetidos ao escrutínio dos demais atores e destinatários envolvidos, bem como debatidos pelos parlamentares.


A ideia de uma avaliação conduzida pelo próprio Poder Legislativo chamou a atenção de alguns leitores, possivelmente porque a maior parte da literatura sobre as boas práticas legislativas e regulatórias aponta para a importância de uma estrutura organizacional “neutra” para conduzir a avaliação, separada tanto do Executivo, quanto do Legislativo.


Não existe “monopólio” ou qualquer tipo de redundância: diversos órgãos podem conduzir avaliações, as quais não são excludentes. A despeito de o art. 37, § 16, da CF, incluído pela EC 109/2021, constar do Capítulo da Administração Pública, nada impede que instituições privadas ou mesmo o próprio Poder Legislativo também realizem a avaliação das políticas públicas. Inclusive, mesmo antes da constitucionalização desse dever, já havia iniciativas pioneiras por parte de instituições dessas naturezas.


Nesse sentido, por exemplo, vale mencionar o trabalho desenvolvido desde 2015 pelo Centro de Aprendizagem em Avaliação e Resultados para a África Lusófona e o Brasil (FGV EESP Clear), composto por diversas organizações e que promove a agenda de monitoramento e avaliação de políticas públicas no Brasil e nos países africanos de língua portuguesa. Além de realizar avaliações, o Centro também oferece assessoria, capacitação e treinamento em parcerias com diversas instituições.


No âmbito do Estado do Espírito Santo, a Lei nº 10.744, de 5 de outubro de 2017, instituiu o Sistema de Monitoramento e de Avaliação de Políticas Públicas do Espírito Santo, no âmbito do Poder Executivo Estadual. Essa atribuição ficou sob a responsabilidade do Instituto Jones dos Santos Neves.


No plano federal, em 2019 foi criado o Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP), que passou por uma reestruturação nos termos do Decreto nº 11.558/2023. É o CMAP quem vem realizando a avaliação e enviando o relatório anual para o Congresso Nacional. Existem diversas avaliações concluídas em áreas como assistência social e previdência social; saúde; educação; indústria, comércio e empreendedorismo; infraestrutura e transporte; defesa, justiça e segurança pública; agricultura; trabalho; comunicação, ciência, tecnologia e inovação; habitação e saneamento; energia; etc.


Curiosamente, a iniciativa de avaliação de políticas públicas no âmbito do próprio Poder Legislativo é uma das mais antigas de todas. Por ação do então presidente do Senado Federal, o senador Renan Calheiros, a Resolução nº 44, de 17 de setembro de 2013, alterou o Regimento Interno do Senado Federal (RISF) para incluir o art. 96-B, que formalizou a competência de avaliação de políticas públicas, conferindo-a às comissões permanentes.


Conforme o art. 90, inciso IX, do RISF, já competia às comissões acompanhar, fiscalizar e controlar as políticas governamentais pertinentes às áreas de sua competência. Com o art. 96-B, conferiu-se o rito dessa atribuição, que segue o seguinte roteiro:

  1. cada comissão permanente selecionará, até o último dia útil do mês de março de cada ano, as políticas públicas para serem avaliadas ao longo da sessão legislativa;
  2. para cada uma das políticas, será designado um relator;
  3. o relator fica encarregado de elaborar um plano de trabalho a ser executado dentro de um cronograma fixado, com suporte das Consultorias Legislativa e de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado Federal, podendo incluir a solicitação de informações e documentos a órgãos do Poder Executivo e ao TCU, nos termos do art. 50 da CF. Inclusive, para isso, foi elaborado o seguinte Referencial para orientar tal atividade de avaliação;
  4. no decorrer da sessão legislativa, podem ser realizadas audiências públicas, diligências, ações interativas no E-Cidadania, etc. (o RISF se limitou a prever que poderiam ser solicitadas informações a entidades da sociedade civil, de forma que esses mecanismos mencionados têm sido adotados como instrumentos para a oitiva dos interessados); e
  5. ao final da sessão legislativa, o relator apresenta relatório com as conclusões da avaliação e eventuais recomendações dirigidas a órgãos externos, a ser apreciado no âmbito da comissão.

No âmbito do Senado Federal, a escolha das comissões como locus institucional de avaliação das políticas públicas se deveu a diversas razões: esses colegiados fracionários já possuem uma infraestrutura; são identificados como o espaço dos debates especializados e, ao mesmo tempo, de participação pública e democrática; e contam com equipes de apoio já expertas na elaboração, facilitando a aprendizagem da tarefa complementar de avaliação.

No entanto, a institucionalização da avaliação das políticas públicas no âmbito do Poder Legislativo não precisa, necessariamente, ser atribuída às comissões. Outros tipos de arranjos são possíveis. Por exemplo, há notícias de que, no âmbito da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (ALEGO), a avaliação de políticas públicas – determinada pela EC 63/2019 à Constituição Estadual aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, de forma integrada e permanente – vem sendo conduzida por uma unidade separada das comissões, vinculada à Diretoria-Geral da Casa.

A Constituição do Estado do Rio de Janeiro, art. 129, inciso I, com redação dada pela EC 92/2022, também prevê que Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de avaliar o cumprimento dos objetivos e das metas previstas no Plano Estratégico de Desenvolvimento Econômico e Social de Estado - PEDES e no plano plurianual e a execução dos programas de governo e dos orçamentos do Estado. Trata-se de competência para avaliação das políticas públicas, mas que ainda não conta com uma estruturação institucional bem delimitada.

No caso da avaliação de políticas públicas conduzida pelo Senado, já existem algumas pesquisas empíricas dando conta da realidade dessa competência, como os trabalhos de Kariza Vitório de Macêdo, João Thiago A. Stilben e Alba Valéria Fontes Leite, etc.

De modo geral, o panorama da avaliação de políticas públicas com base no art. 96-B do RISF é satisfatório, contando com adesão por grande parte das comissões permanentes do Senado. Já foram mais de 100 políticas públicas escolhidas para avaliação, embora ainda seja inferior o número de avaliações concluídas (relatórios efetivamente aprovados ao final da sessão legislativa).

Outros problemas detectados até o momento são: a falta de padronização dos relatórios e das avaliações realizadas, bem como as poucas informações sobre as consequências, o eventual cumprimento das recomendações lançadas no relatório final (foram acatadas? Se não, por quê?) e demais andamentos para o aperfeiçoamento das políticas públicas.

Ainda assim, como se dizia, reputa-se salutar que o Poder Legislativo se envolva, não só na formulação de políticas públicas, mas também na avaliação das políticas públicas. Os dois momentos resultam de uma adaptação negociada de interesses. Em democracias, espera-se que o Poder Legislativo represente, debata e contemple as necessidades e aspirações dos cidadãos.

Em teoria, as políticas públicas tendem a ser melhores quando os legislativos desenvolvem capacidade de formulá-las e quando participam, de maneira construtiva, da formulação de políticas nacionais, em vez de, simplesmente, adotar um papel subserviente, em que só referendam as recomendações supostamente pautadas em critérios estritamente técnicos e neutros de tecnocratas (na prática, um pequeno grupo de funcionários) ou os desejos do Poder Executivo.

Retomando a consideração da coluna passada, bem entendida, a avaliação de políticas públicas é um recurso para aprendizagem organizacional, voltado para a orientação, o esclarecimento, o convencimento e o alinhamento de atores envolvidos nas políticas públicas. Não é (ou ao menos não deveria ser) uma atividade de auditoria (inspeção certificadora), como um expediente para a punição ou premiação de órgãos, equipes ou programas. O foco da avaliação é entender “como” as políticas públicas estão se desenvolvendo, bem como os “porquês” do bom ou mau funcionamento.

Assim, cabe ao Poder Legislativo analisar os dados empíricos e jurídicos subjacentes ao prognóstico legislativo e repesar os interesses envolvidos a partir das novas condições da realidade pós-legislação. Por essa lógica, se o Poder Legislativo é imprescindível no processo de formulação de políticas, também o é no momento da apreciação das informações produzidas no âmbito da avaliação dessas mesmas políticas públicas. Não há como “despolitizar” ambas as atividades.

Por tudo isso, a avaliação de políticas públicas no âmbito do Poder Legislativo envolve um misto de competências fiscalizatória e legislativa ao mesmo tempo. Reputa-se que a fundamentação jurídica dessa atribuição é um ponto superado. O desafio é muito mais o de saber como estruturar institucionalmente essa competência no âmbito das Casas Legislativas. O ideal seria organizar de tal maneira que quem avalie não decida, e que quem decida tenha que contar com a colaboração dos especialistas.

Publicado em Jota, 5 de junho de 2024.

[1] Professora adjunta na Universidade de Brasília (UnB). Advogada do Senado Federal desde 2009. Doutora em Direito pela Universidade de Alicante, Espanha. Doutora e mestre em Direito pela UnB.