José Walter Queiroz Galvão [*]

A missão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é uniformizar a interpretação da legislação federal e oferecer uma justiça ágil e cidadã. Outrossim, sua visão é consolidar-se como uma Corte de Precedentes que oferece justiça moderna, preventiva e acessível, sendo amplamente reconhecido como o Tribunal da Cidadania. No entanto, como destaca o Ministro Herman Benjamin em seu artigo Tribunal de Precedentes com Números Sem Precedentes (PINTO, 2025), tanto a missão quanto a visão do STJ têm sido ameaçadas pelo abarrotamento de processos.

Segundo o Ministro:

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) encerrou 2024 com cifras que impressionam pelo gigantismo e preocupam pelos impactos negativos no desempenho satisfatório de suas funções. Marco inédito, os seus 33 ministros receberam mais de 500 mil processos e proferiram quase 700 mil decisões, aproximadamente uma em quatro minutos e meio. Cálculo que computa oito horas de todos os dias úteis e não subtrai a duração de sessões presenciais de julgamento, atendimento a advogados, reuniões e outras atividades institucionais. Uma quantidade que supera a soma dos 11 anos iniciais da corte e mostra-se absolutamente incompatível com a capacidade humana de gestão de demanda recursal. O abarrotamento do STJ não encontra similar em democracias respeitadas do mundo. Ao compará-lo com organismos análogos, a disparidade anual é gritante. Na França, com uma população de 68 milhões e dois tribunais nacionais que, juntos, correspondem ao STJ, as estatísticas são assaz distintas. A Corte de Cassação e o Conselho de Estado, cada qual com algo em torno de 200 ministros ("conseillers"), decidem, em média, de 10 a 20 mil processos. Na Índia, com 1,4 bilhão de habitantes, a Corte Suprema de 34 ministros prolata em torno de mil decisões.

O artigo evidencia um desafio significativo a ser enfrentado. Para responder a essa crise, o Tribunal da Cidadania deve adotar modernos conceitos e ferramentas de planejamento estratégico que permitam conciliar produtividade com a preservação da qualidade das decisões e o bem-estar dos servidores. Esse aprimoramento não apenas contribuirá para a eficiência interna do tribunal, mas também beneficiará toda a sociedade, garantindo maior segurança jurídica, previsibilidade e qualidade na prestação jurisdicional.

Nesse contexto, o STJ vem incrementando sua estrutura por meio de um sistema de planejamento estratégico que auxilia na gestão eficiente do tribunal e orienta as unidades administrativas no cumprimento de suas funções.

Todavia, ainda há uma lacuna entre aquilo que o STJ implementa nas unidades tipicamente administrativas e o que é desenvolvido nos gabinetes. Isto porque os gabinetes ministeriais enfrentam desafios próprios, distintos daqueles observados em outras unidades do tribunal.

De fato, todo o fluxo processual deságua nos gabinetes, que devem gerenciar a crescente demanda de maneira eficaz, eficiente e sustentável a longo prazo. Essa realidade demanda dos gestores de gabinetes abordagens e soluções específicas, com um planejamento estratégico adaptado às peculiaridades dessas unidades e focado na avaliação dos fatores que impactam a produção e a qualidade das decisões.

De acordo com Chiavenato (apud (MONTEIRO, [s.d.])), o planejamento estratégico consiste em um processo contínuo e dinâmico, estruturado em diferentes fases, a saber: (i) definição dos objetivos, (ii) avaliação da situação (de ambiente ou de cenário), (iii) desenvolvimento de cenários futuros, (iv) análise de alternativas, (v) escolha do curso de ação e (vi) implementação e avaliação dos resultados. Dentre essas etapas, a avaliação de situação assume papel fundamental.

No fluxo do planejamento estratégico, a avaliação de situação se destaca, pois permite sejam identificados e compreendidos os fatores que impactam a organização. Chiavenato (CHIAVENATO, 2020) destaca que essa fase inclui a análise detalhada do ambiente interno e externo, permitindo que os gestores identifiquem forças, fraquezas, oportunidades e ameaças. Monteiro (MONTEIRO, [s.d.]) classifica a análise do ambiente organizacional em três níveis:

  1. Ambiente Externo Geral – composto por fatores macroeconômicos, políticos, sociais e tecnológicos que afetam a organização de maneira ampla.
  2. Ambiente Externo de Tarefas – refere-se ao setor específico em que a instituição opera, incluindo atores como fornecedores, clientes e reguladores.
  3. Ambiente Interno – engloba os recursos, processos e estruturas internas que a organização pode controlar diretamente.

Dentre as diversas ferramentas de análise de situação, uma das mais utilizadas é a matriz SWOT (Strengths, Weaknesses, Opportunities, Threats), conhecida em português como matriz FOFA (Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças). Amplamente referenciada na literatura especializada, essa ferramenta já vem sendo aplicada pelo STJ como referencial estratégico, auxiliando na compreensão dos fatores essenciais para o planejamento setorial.

Ao examinar a estrutura e o funcionamento da Corte Cidadã, com enfoque nos gabinetes, é possível identificar alguns fatores que impactam o trabalho dessas unidades e enquadrá-los nos conceitos de forças, oportunidades, fraquezas e ameaças.

Dentre as forças evidentes (Strengths), destaca-se a expertise dos servidores do tribunal, bem como sua infraestrutura tecnológica. Um exemplo relevante é a implementação do motor de inteligência artificial generativa STJ Logos, lançado em 11 de fevereiro de 2025, com a finalidade de apoiar diretamente os gabinetes ministeriais na otimização da produção de decisões (“STJ lança novo motor de inteligência artificial generativa para aumentar eficiência na produção de decisões”, [s.d.]).

Aliás, essa força tecnológica merece um comentário especial. Ainda que em estágio inicial e passível de aprimoramentos, a ferramenta STJ Logos já demonstra um grande potencial para auxiliar gestores, servidores e assessores de gabinete. Seu uso pode otimizar a triagem de processos, a distribuição equitativa conforme as especialidades dos assessores, a análise de peças processuais e a elaboração de minutas.

Além disso, na prática, a ferramenta já demonstra a capacidade de promover a listagem de argumentos e contra-argumentos das partes, a montagem de relatórios, a identificação de óbices processuais, a estruturação de modelos e a revisão ortográfica, entre outras funções. Assim, suas capacidades são significativas e apresentam forte potencial de impacto na gestão estratégica.

Como fraquezas evidentes (Weaknesses), destaca-se a alta rotatividade de servidores concursados, impulsionada pela desvalorização salarial em comparação com outros órgãos públicos. Soma-se a isso a pressão crescente por produtividade e a necessidade de capacitação contínua para lidar com novas ferramentas tecnológicas e metodologias de trabalho.

No que tange às oportunidades evidentes (Opportunities), a implementação da inteligência artificial e a evolução das ferramentas de automação representam oportunidades importantes para reduzir o retrabalho e aumentar a eficiência. Além disso, mudanças legislativas voltadas à filtragem de recursos e à consolidação de precedentes qualificados podem contribuir para aliviar a sobrecarga processual.

Entretanto, as ameaças (Threats) são igualmente relevantes. O volume de processos segue em crescimento constante, e a falta de regulamentação mais rígida quanto à admissibilidade de recursos dificulta a contenção desse aumento. Além disso, eventuais cortes orçamentários podem comprometer a implementação e a manutenção das estratégias planejadas.

Diante do cenário de desafios enfrentados pelo STJ e, em especial, pelos gabinetes ministeriais, torna-se evidente que a gestão estratégica deve ser pautada por um planejamento estruturado e contínuo. Nesse contexto, a avaliação de situação se revela uma etapa essencial, pois permite compreender com precisão os fatores internos e externos que impactam o desempenho da Corte.

A aplicação de metodologias de análise, como a matriz SWOT, possibilita identificar forças a serem potencializadas, oportunidades a serem exploradas, fraquezas que exigem mitigação e ameaças que demandam estratégias de contenção. Somente a partir de um diagnóstico bem fundamentado é possível adotar medidas eficazes para equilibrar produtividade e qualidade, garantindo que o STJ cumpra seu papel institucional como um verdadeiro tribunal de precedentes.

Portanto, a avaliação de situação não é apenas uma ferramenta de gestão, mas um elemento indispensável para a tomada de decisões estratégicas que assegurarão a modernização, a eficiência e a sustentabilidade do Tribunal da Cidadania.

 

Referências Bibliográficas

CHIAVENATO, I. Planejamento Estratégico - Da intenção ao resultado. 4. ed. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2020.

MONTEIRO, A. DE S. Planejamento Organizacional. [s.l.] Gran Cursos, [s.d.].

PINTO, P. R. P. Tribunal de precedentes com números sem precedentes. Disponível em: <https://www.ajufe.org.br/imprensa/artigos/18918-tribunal-de-precedentes-com-numeros-sem-precedentes>. Acesso em: 13 fev. 2025.

STJ lança novo motor de inteligência artificial generativa para aumentar eficiência na produção de decisões. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2025/11022025-STJ-lanca-novo-motor-de-inteligencia-artificial-generativa-para-aumentar-eficiencia-na-producao-de-decisoes.aspx>. Acesso em: 8 mar. 2025.

 

[*] José Walter Queiroz Galvão cursa o Mestrado Profissional no Programa de Pós-Graduação em Direito, Regulação e Políticas Públicas da Universidade de Brasília.